segunda-feira, 27 de outubro de 2014

ORIGEM DA MALDADE E LIVRE-ARBÍTRIO


A ORIGEM DA MALDADE


Originalmente, o conteúdo inicial deste trabalho estava destinado a investigar a origem da maldade. Não tinha como foco principal responder questões sobre a minha vivência como psicomotricista relacional . Na verdade, este trabalho tinha conteúdo teológico, procurando resposta no que diz respeito às nossas responsabilidades dos atos que praticamos.
A princípio, ou de forma ordinária, esta questão parece resolvida, já que é consenso que o homem, como ser dotado de livre-arbítrio, deve responder por todos os atos que pratica. Então imaginei a seguinte experiência mental, entre muitas outras: considere que certa firma empresarial destine dois funcionários a tomarem decisões que serão importantes para o desenvolvimento da carreira, mas ele estabelece certas condições distintas: Um dos empregados passará uma noite tranquila, tendo todo o contexto para um sono salutar. Tudo será feito para que isto aconteça: uma ótima casa localizada em lugar tranquilo e seguro, um bom quarto, uma boa cama, etc. Enquanto, o outro deverá passar a noite em lugar adverso às condições propícias para uma boa noite de sono. De manhã, quando os dois funcionários voltam a ser reunir com dono da empresa, este apresenta uma questão que deva ser resolvida o mais rápido possível.
Esse experimento mental, apesar de muito simplório, mostra que tomar uma decisão favorável, ou não, diante das vicissitudes da vida, não envolve apenas o que chamamos de livre-arbítrio, mas também se esta capacidade de decidir pode ser influenciada de uma forma positiva ou negativa. Podemos pensar que as condições desfavoráveis impostas pelo empresário a um dos funcionários possam ser, na verdade, influências que presenciamos na vida de indivíduos que conviveram em lares desestruturados, com pais drogados ou violentos, anormalias genéticas, etc.
Caso o leitor indague que o exemplo dado por mim não apresenta simetria, então considerarei a vida da personagem Kayleigt (interpretada por Amy Smart) no clássico filme “Efeito Borboleta”. Neste drama, devido à pedofilia praticada pelo pai de Kayleigt, esta personagem tem um futuro nada agradável, como todos devem lembrar. Evan Trebom, personagem vivido por Ashton Kutcher, ao se encontrar com Kayleigt, sua paixão de adolescência, e vendo como estava péssima a qualidade de vida de seu antigo amor, decide voltar ao passado. Nessa primeira aventura, Evan enfrenta o pai da amada, o conscientizando do erro, e num futuro paralelo, a vida de Kayleigt é totalmente transformada para melhor, apesar de novos problemas surgirem.
Outra questão que deva ser lembrada é referente à evasão escolar. Uma das causas de abandono escolar é a violência nas escolas, principalmente nos municípios onde o tráfico de drogas se faz presente. Segundo dados da UNESCO, desde 1997, perto de dois mil educandos brasileiros entre  15 a 29 anos, morreram vítimas da violência nas escolas, e que, de cinco mil jovens, 60% revelaram terem sofrido ao menos uma agressão.
É no meio escolar que crianças e adolescentes vem sofrendo, de forma mais acentuada, a violência, consequentemente, ocasionando um aumento no índice de evasão escolar. Alem disso, não só o desenvolvimento psicossocial do estudante sofre prejuízos, mas também a economia do país, já que estudos do Banco Mundial demonstram que o Brasil perde 1% do seu PIB (Produto Interno bruto), cerca de U$$ 7 bilhões com a violência.
Em locais onde há um acentuado índice de exclusão social, as escolas públicas sofrem com depredações, casos de arrombamento, ameaças e prisões, infortúnios que amedrontam pais, professores, funcionários e alunos. Em geral, a solução proposta é o policiamento e a colocação de grades, o que nem sempre é possível, e raramente é eficaz e eficiente. Pelo contrário essa natureza de solução só produz mais violência.
Estudos realizados de 2001 a 2005 em todos os estado brasileiros demonstraram que a violência escolar causa prejuízos ao desempenho satisfatório em provas de Matemática e Português. Além disso, um aumento na taxa de abandono escolar dos alunos da primeira série do Ensino Médio é responsável por uma elevação na taxa de homicídios.
Por experiência própria e com base em fatos noticiados, ficou evidente para esse psicomotricista relacional que somente novas técnicas pedagógicas, embora necessárias, não são suficientes para um melhor aprendizado dos nossos educandos. A batalha não se restringe apenas ao território da escola, nem tão pouco aos professores e suas inovações pedagogias, mas abarca todo o contexto do aluno, isto é, qualquer ente que mantenha contato físico ou emocional com o educando se torna uma variável que deva ser contabilizada como influente nas tomadas de decisões daquele
Diante de tudo que foi apresentado, verifico que a questão não está limitada somente às influências sofridas pelo livre-arbítrio, mas também se há uma causa que possa explicar esta contradição entre o homem – ser dotado de razão – e atitudes nada coerentes com a razão. Sendo essa causa um fator genético ou derivado de um fator ambiental, por mais alarmantes que sejam as estatísticas, existe a possibilidade que técnicas que trabalhem o lado psíquico,  gerando um maior coeficiente de empatia (Q.E.), melhorem a socialização do educando e, consequentemente, um maior índice de aprendizado. A Técnica abordada neste trabalho será a Psicomotricidade Relacional, dando ênfase ao corpo, objeto afetivo.
Segunda às Sagradas Escrituras, por causa do pecado de Adão, o homem herdou uma natureza desvirtuada, crença conhecida como “Pecado Original”. Estudando as Sagradas Escrituras, precisamente a Carta de Paulo aos Romanos, que tem como foco principal os papéis antagônicos de Adão e Jesus Cristo, novo Adão, no destino da humanidade – “Teologia da Cruz” – o apóstolo Paulo afirma que devido o pecado de Adão e Eva, o homem é escravo do pecado, e essa força é tão forte que mina a vontade humana em cumprir os mandamentos de Deus, conforme está escrito:


Sabemos que a Lei é espiritual; mas eu sou carnal, vendido como escravo ao pecado. Realmente não consigo entender o que faço; pois não pratico o que quero, mas faço o que detesto. Ora, se faço o que não quero, reconheço que a Lei é boa. Na realidade, não sou mais eu que pratico a ação, mas o pecado que habita em mim. Eu sei que o bem não mora em mim, isto é, na minha carne. Pois o querer o bem está ao meu alcance, não, porém, o praticá-lo. Com efeito, não faço o bem que quero, mas pratico o mal que não quero. Ora, se faço o que não quero, já não sou eu que ajo, e sim o pecado que habita em mim.
Verifico, pois, esta lei: quando quero fazer o bem, é o mal que se me apresenta. Comprazo-me na Lei de Deus segundo o homem interior; mas percebo outra lei em meus membros, que peleja contra lei da minha razão e que me acorrenta à lei do pecado que existe em meus membros. (BÍBLIA DE JERUSALÉM)



Teologicamente, fica evidente que o pecado de Adão causou danos à nossa competência de decidir, isto é, o pecado original não nos tirou o livre-arbítrio, mas o influenciou de forma maléfica. Mas a própria Palavra evidencia que “onde abundou o pecado, superabundou à graça de Deus, por meio de nosso Senhor Jesus Cristo”, em outras palavras: se o pecado influencia de modo negativo o nosso livre-arbítrio, a graça de Deus influencia muito, mas muito mais.
Então procurei conhecer se havia um correspondente científico da doutrina do “Pecado Original”, e da mesma forma, um correspondente que poderia ser análogo à graça de Deus. Isto é: haveria evidências científicas que o nosso livre-arbítrio seria passível de sofrer influenciais biológicas e ambientais? Caso a resposta seja afirmativa, as técnicas científicas e pedagógicas seriam realmente eficazes e eficientes nesta questão?
Segundo Bárbara Ann Oakley – professora de Engenharia na Universidade de Oakland e especialista em pesquisa de bioengenharia e líder de pesquisas sobre o “gene do mal” – todas as pessoas são um pouco ruins em alguns momentos da vida, mas essa não é a causa que torna uma pessoa má. O que ela chama de “gene do mal” e um péssimo ambiente familiar são fundamentais na formação da personalidade de uma pessoa ruim, mas também devem ser levados em conta outros fatores como danificações no cérebro que acabam com a habilidade de controlar os comportamentos. Para essa pesquisadora, a união de muitos genes juntos, geralmente adicionados a influências do ambiente, explicaria os atos de maldade de uma pessoa.
Ela argumenta que o fato de alguns dos genes que criam um comportamento ruim, quando misturados com genes mais completos, poderem criar um dos nossos melhores comportamentos, raramente alguém é 100% ruim, isto é, por mais maquiavélica que sejam aquelas pessoas que são acostumadas a praticarem atos de maldade, elas podem ter, realmente, atitudes boas. Como exemplo, cita Adolf Hilter., embora esse ditador tomasse atitudes de pura maldade, foi capaz de permitir que o médico judeu que tratou de sua mãe fugisse da Alemanha nazista.
Perguntada sobre a possibilidade de os indivíduos nascerem predispostos a serem más, Bárbara afirma que pessoas ruins, definida por ela como aquelas que são manipuladoras e enganam as pessoas, e que sentem prazer em magoar e até mesmo destruir a vida dos outros, às vezes vêm de famílias que as abusaram quando crianças. Nessa situação, os dois fatores – genes ruins e um péssimo ambiente – são determinantes na formação da personalidade. Contudo, às vezes esses indivíduos são de origem de famílias decentes, e possuem pais e irmãos bons. Para essa outra situação pode ser que a pessoas tenham herdado uma mistura de genes que não combinaram.
Mas ela ressalva que não são os genes que são ruins! Pode ser simplesmente que esses genes tenham permitido que algum fator exterior – um vírus, por exemplo, - entrasse no corpo mais facilmente e danificasse algumas partes do cérebro ou uma simples batida na cabeça durante um acidente de carro pode mudar completamente o caráter de uma pessoa: ela passa a mostrar todas as características de um psicopata, fenômeno conhecido como “psicopata adquirido”.  Desta forma, pode-se dizer que algumas pessoas são propensas a cometerem atos de extrema violência por causa de danificações no cérebro que acabam com a habilidade de controlar seus comportamentos. No caso de pessoas que sentem prazer em machucar outras pessoas – sadismo – ainda não há nenhum exame científico que prove tal comportamento, afirma Bárbara Ann Oakley.
Outros fatores que podem contribuir, segundo a pesquisadora, é o próprio grupo social em que vive o indivíduo, pois a experiência mostra que as pessoas podem aprender a odiar e ser desumanas com outros grupos de pessoas. Assim, fica fácil para elas entenderem que matar pessoas de grupos diferentes é uma coisa boa. Fenômenos como esse provavelmente estão ligados a assassinatos horrorosos como os dos japoneses contra chineses durante o estupro de Nanking. Muitos japoneses voltaram para suas casas depois da guerra e continuaram sendo ótimos pais de família. Quase todo mundo pode aprender a odiar outro grupo de pessoas desumanizando tal grupo. No Oriente Médio, muito pessoas aprenderam que os judeus são descendentes de porcos, e não são verdadeiramente seres humanos. Os genes são apenas uma pequena parte das coisas que influenciam uma pessoa a ser maldosa.
 
Para a cientista, a falta de empatia, sadismo e dificuldade de controlar as emoções estão ligados ao comportamento ruim. Todas essas características, entretanto, parecem ser afetadas pelos genes, porém uma pessoa precisa ser muito azarada e receber vários genes incompatíveis que a colocam em risco e aumentam as chances de ter um comportamento maligno. Mas ela reitera, que mesmo nesses casos, às vezes é preciso um ambiente ruim para a cartada final.
Questionada sobre o comportamento oposto apresentado por irmãos que convivem no mesmo lar, ela menciona que as várias combinações dos genes podem explicar a diferença de personalidade entre irmãos que viveram na mesma casa e receberam a mesma criação dos pais. Centenas de genes diferenciam nossas personalidades, e cada filho herda uma mistura diferente. Isso pode explicar porque um filho é mais carinhoso e mais altruísta, enquanto o outro é mais interessado nele mesmo.
Mas isso não significa que a educação e a criação não contribuem para a personalidade negativa. Comenta a pesquisadora, que em muitos casos esses dois parâmetros influenciam pelo fato de algumas crianças serem geneticamente predispostas para serem mais sensíveis a tratamentos duros ou abusivos. Isso explicaria porque algumas crianças que são criadas nesse tipo de ambiente se tornam ruins também, enquanto outras que tiveram a mesma experiência são mais resistentes e crescem saudáveis mentalmente.
Em uma entrevista concedida para a Revista Época, Bárbara Ann  Oakley     ratifica que o ambiente parece influenciar no caso do gene que controla a produção de uma enzima chamada MAQ-A. O funcionamento ineficiente desse gene está ligado a distúrbios de personalidade. Descobriu-se que, se as crianças com pouca enzima MAQ-A crescerem num ambiente ruim, serão adultos problemáticos. Mas, se elas forem criadas em um ambiente bom, não terão uma personalidade conturbada. O número de pessoas que nasceram com uma confluência infeliz de genes, cuja condição não pode ser reparada, é muito pequeno.
Outro exemplo de grupos de genes que afeta nossas intenções, ansiedade, humor seria o gene COMT. Bárbara explica que o gene COMT produz uma enzima que ajuda a regular a dopamina. Quanto mais devagar a dopamina é metabolizada, maior será a inteligência no indivíduo, isto é, Q.I. alto. Sem desconsiderar que outros genes e o ambiente também têm um papel sobre isso, não podemos negar que algumas vezes parece que pessoas muito inteligentes também são mais neuróticas. Isso deve ao fato que essa mesma versão do gene COMT que faz a pessoa ter uma memória melhor também esta associada à ansiedade, à dificuldade de lidar com emoções; ele torna a pessoa mais esperta, mas também mais neurótica.
Entretanto, apesar das explicações determinísticas dadas por Bárbara, ela ressalva que não pretende construir mais um conceito determinista, mas apenas fazer as pessoas compreenderem que, para cada traço de nossa personalidade, talvez haja milhares de genes que afetam aquela característica. Alguns dos mesmos genes que podem tornar alguém maquiavélico, se misturados a outro conjunto de genes, podem fazer uma pessoa ser boa, gentil, ter as melhores características da humanidade.
Algumas novas terapias realmente podem ajudar a resolver os distúrbios comportamentais, salienta Bárbara, principalmente as de conversa, sem uso de medicamentos. Quando se compara a imagem clínica da pessoa antes e depois da terapia, existe a possibilidade real que as terapias baseadas em diálogos com o paciente mudem fisicamente o cérebro das pessoas.
O judeu Simon Baron-Choen, Ph.D. em psicologia por Cambridge, acredita ter encontrado uma resposta que explicasse porque cidadãos alemães comuns se transformaram em torturadores sanguinários à época do Holocausto. Para esse psicólogo, os atos de crueldade são muito complexos, pois estão implicados fatores biológicos, ambientais, genéticos, sociais e políticos por trás de tais atos. Na teoria de Simon, um mau funcionamento das partes do cérebro ligadas à empatia, por razões biológicas ou sociais, é o que estaria por trás de um ato de crueldade, entretanto, os fatores genéticos contribuiriam somente com 30% para determinar o comportamento de uma pessoa, realidade que foi verificada em estudos com gêmeos idênticos.
Surge, então, uma questão: se tudo se resume à fatores biológicos e  sociais, será errado responsabilizar os criminosos por seus atos? Estudos revelam que algumas pessoas fizeram coisas ruins não porque escolheram, mas porque têm empatia baixa, que pode ser resultado da biologia da pessoa ou da experiência de vida quando criança, fatores pelos quais ela não pode ser responsabilizada. Para ele, quando nos deparamos com indivíduos que tenham deficiência, a nossa reação não deveria ser puni-los, mas ajudá-los.
 
Procurando conhecer um pouco mais sobre os fatores que influenciam a empatia, encontrei na edição da Revista Galileu, da Editora Globo, uma matéria sobre o tema. A revista publicou um artigo que mostra opiniões de pesquisadores sobre o assunto. Pelos argumentos apresentados pelos mesmos, a empatia é mostrada como interligada a fatores genéticos e ambientais, estes últimos podendo modificar a estrutura do cérebro, ou simplesmente, que a empatia é fortemente influenciada só por fatores ambientais.
O artigo mencionado da Revista Galileu evidencia que, atualmente, laboratórios na Alemanha, Estados Unidos e Inglaterra abrigam scanners que medem o fluxo de sangue no cérebro e aparelhos de sequenciamento genético que ajudam a traçar uma nova anatomia do mal dentro do ser humano. Os resultados destes laboratórios ratificam a pesquisa da doutora Bárbara: encontraram áreas cerebrais envolvidas no controle da maldade, genes relacionados à crueldade e situações em que até mesmo os mais bondosos podem ser transformar em torturadores.
A prisão de Abu Ghraib é um complexo penitenciário com área de 1,15 km2, construída pelos britânicos quando o Iraque ainda era uma colônia da Grã-Bretanha. Foi um local de torturas em diferentes graus e em diferentes momentos. Numa análise do que aconteceu neste complexo penitenciário durante as torturas cometidas por soldados americanos contra iraquianos em 2004, cientistas citam fatores como o estresse dos soldados, o tipo de comando e até o calor excessivo como alguns ingredientes de uma situação perfeita para que pessoas tidas como de boa índole libertassem seu lado “negro”. O mesmo princípio pode ser aplicado em relação à dificuldade de não agirmos violentamente durante discussões. A causa pode estar em falhas de algumas regiões cerebrais. As pesquisas mostram que fazer o mal pode não ser uma simples questão de livre-arbítrio. Como já vimos, Simon Baron-Cohen esclarece que pessoas podem ter cometido atos de violência não porque desejaram, mas por uma deficiência no cérebro.
Hoje, drogas como a oxitocina são utilizadas para melhorar o comportamento moral, e também em terapias com crianças que apresentam risco de se tornarem psicopatas.
 
Segundo os cientistas que pesquisam o comportamento humano como fator biológico e ambiental, para saber o que são essas deficiências cerebrais, é preciso antes entender um mecanismo apontado como válvula de segurança contra a maldade. Quando alguém se entristece ao assistir um drama, ou sorrir acentuadamente durante uma comédia, ativa a empatia – capacidade natural que temos de identificar o que outra pessoa está pensando ou sentido e responder com uma ação apropriada. O mesmo mecanismo é ativado para frear a agressão violenta que podemos ter quando nos deparamos com alguém indefeso, ou até mesmo impedir terceiros de agir com violência, prevendo o sofrimento da vítima. Segundo o mesmo artigo da Revista Galileu, o psiquiatra Fábio Barbirato, da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, esclarece que a maldade é falta de empatia, isto é, a maldade é a falta de preocupação de uma pessoa em causar um mal físico ou emocional a outrem.
Desta forma, esses estudos evidenciaram que a empatia não está restrita somente a conceitos filosóficos, mas pode ser também uma questão orgânica, localizada dentro da massa cerebral. Há consenso na neurociência de que pelo menos dez regiões cerebrais, chamadas por Baron-Cohen de “circuito da empatia”, estão relacionadas com essa capacidade.  Havendo lesões no córtex pré-frontal medial, perdemos reações involuntárias, como aumento de batimento cardíaco e suor nas mãos, que temos ao assistir a cenas fortes como mutilações ou coisa do gênero. Isto sugere que a dor do outro deixa de ser processada da mesma forma dentro da gente. Outras áreas, como a parte anterior da ínsula, são ativadas tanto quando sentimos dor no momento em que vemos alguém sofrer um estímulo doloroso. Existem, pelo menos, sessenta pesquisas mostrando essas conexões e sugerindo um mecanismo do cérebro que se ativa para que, de alguma forma, também possamos sentir dentro de nós as emoções que presenciamos.
É esse mecanismo de identificação que nos leva a considerar o sentimento dos outros ao tomarmos qualquer atitude, como por exemplo, ajudar alguém que esteja passando por uma dificuldade. Contudo, fatores como estresse, álcool, ênfase aos problemas pessoais e cansaço diminuem temporariamente a empatia. Assim, caso você esteja muito concentrado em problemas profissionais, por exemplo, seu cérebro pode não perceber a angústia de uma velhinha que entra no ônibus, o que explicaria o fato de muitos não cederem o lugar na poltrona nos transportes coletivos.
Ao diminuir a identidade com o próximo, uma pane da empatia também faz com que a pessoa não sinta um bloqueio ao pensar em fazer algo maléfico. Para Baron-Cohen, um ato maldoso surge do mau funcionamento do “circuito da empatia”, esse cientista chega a sugerir que o próprio circuito esteja “desligado”. Baron-Cohen e outros especialistas criaram uma medida de funcionamento desse sistema no cérebro, denominada “o quociente de empatia” ou simplesmente QE. Além de uma avaliação mediante um questionário, usa-se a medição de ondas cerebrais. Quanto maior o QE, mais altas as chances de frear impulsos de crueldade por “sentir” a dor do outro.
Nos psicopatas a empatia é zero. Esta classe de indivíduo não é contagiada pelas emoções alheias e não sofrem remorsos. Para a especialista em psicopatia Hilda Morana, doutora em psiquiatria pela universidade de São Paulo, “Há uma área do cérebro abaixo da órbita do olho que integra o caráter. Nos psicopatas, indivíduos que têm defeito de empatia, essa área não se formou direito”. Além dos psicopatas, as pessoas portadoras do transtorno borderline – transtorno que deixa os indivíduos desregulados emocionalmente, com tendência a comportamentos agressivos – também têm nível zero de empatia. Um pouco acima do nível zero estão pessoas que podem ser capazes de machucar as outras, mas sentirão remorsos após algum tempo. Nesse grupo estão aqueles que explodem facilmente durante discussões, chegando à agressão física. Nesse caso, o circuito cerebral não funciona suficientemente para inibir os impulsos violentos e a pessoa não percebe estar passando dos limites. Num nível, ligeiramente acima, a pessoa está em condições de frear a violência física, mas não percebe que agride pessoas com comentários do tipo “você engordou”, ou “como está feia esta roupa”.
No artigo está destacado que apesar das considerações acima, a maior parte das explicações para empatia baixa não está no DNA, mas em fatores ambientais. Sessenta a oitenta por cento das pessoas bordeline têm histórico de maus-tratos, separação precoce dos pais ou rejeição na infância, sem considerar que 40% a 70% desse grupo também sofreram abuso sexual quando crianças. Pesquisas também mostraram que uma criança, em uma casa estruturada e com educação de qualidade tende a ser menos agressiva. Assim, desconsiderar a educação é um erro quando nos referimos à empatia.
Mas mesmo assim os fatores ambientais provocam consequências biológicas, conforme explica o psiquiatra americano Paul Soloff . Ele relata que pessoas abusadas sexualmente na infância têm amígdalas cerebrais menores, menos matéria cinzenta no córtex temporal medial e uma região chamada hipocampo menor. Essas áreas estão ligadas ao circuito de empatia. Assim, “Há mais chance de crueldade em famílias onde há abusos físicos ou psicológicos, onde a criança não consegue falar das suas dificuldades”, diz o psiquiatra Leandro Thadeu Reveles, da Clínica Medicina do Comportamento, em São Paulo.
Mas o artigo mostra o questionamento de um grupo de especialistas que estuda a questão, os psicólogos sociais. A abordagem farmacológica é bastante contestada por eles. Para esta corrente de profissionais, o mais importante não está dentro do organismo, mas sim o momento em que se encontram os indivíduos no ato da crueldade. Experimentos científicos mostram isso. Por exemplo, em 1971 Philip Zimbardo, Ph.D. em psicologia e professor emérito da Universidade de Stanford realizou um experimento dos mais polêmicos. Neste experimento, foram simuladas, num porão da Universidade de Stanford, as condições de um presídio. Vinte e quarto estudantes voluntários, sem nenhum indicativo de empatia baixa, foram divididos aleatoriamente entre guardas e presos. Aos estudantes que desempenhavam o papel de carcereiros, não foi dada nenhuma instrução, a não ser fazer o necessário para manter a ordem. O estudo, programado para durar duas semanas, terminou após seis dias, com os estudantes que atuavam como prisioneiros em estado de depressão e descontrole emocional após serem vítimas do sadismo do outro grupo. Os presos foram obrigados a ficarem nus, eram acordados com apitos no meio da madrugada, tiveram camas destruídas e foram privados de banheiro, fazendo as necessidades em baldes.
Outro experimento clássico da área foi conduzido pelo psicólogo Stanley Milgram em 1963. O pesquisador pediu a voluntários que bancassem o professor e ensinassem a outro estudante, que era um ator disfarçado, as respostas certas das questões por meio de pequenos choques, que deveriam aumentar a cada erro. De acordo com relatório da experiência, essa simples sugestão bastou para que 65% das pessoas chegassem a aplicar o nível mais alto de eletricidade, mesmo vendo o ator estrebuchar até parecer estar, no fim, desacordado. Em 2008, o psicólogo inglês Jerry Burger replicou o estudo, obtendo os mesmo resultados. Não podemos negar que estes experimentos mostraram como o ambiente pode levar as pessoas a serem cruéis. Para Jerry Burger, “...não é uma questão de ser bom ou mau, é a situação”.
Dezenas de outros pesquisadores revelaram, com experiências do tipo, fatores que tendem a produzir o desligamento da empatia, como por exemplo, estar em uma situação nova sem saber como agir; a crueldade parecer apenas um pouquinho mais do que o que é praticado em volta; a responsabilidade nunca parecer inteiramente, pouco tempo para pensar, especialmente nas consequências.
Outro importante dado vem em estudos feitos sobre o Holocausto. Desde o fim da Segunda Grande Mundial, filósofos e sociólogos afirmam que os absurdos praticados durante o Holocausto só foram possíveis porque os agressores viam as suas vítimas apenas como animais repugnantes ou objetos. Susan Fiske, Ph.D. em psicologia pela Universidade de Princeton, é uma das primeiras a ver em scanners cerebrais marcas das influências situacionais. Num dos mais impressionantes experimentos realizados por essa pesquisadora teve como procedimento experimental mostrar fotografias de pessoas a voluntários, enquanto os cérebros dos observadores eram analisados com scanners. Quando os voluntários viram indivíduos de baixo status social, como mendigos, viciados em drogas ao até imigrantes, ativaram padrões cerebrais relacionados à visão de objetos e não aqueles ativados ao vermos seres humanos. “As pessoas naturalmente inibem a violência contra outros que categorizam como seres humanos. Então é preciso que outra pessoa seja ‘desumanizada’ dentro da cabeça para que isso ocorra”, explica Fiske. Logo, para uma pessoa que vê a outra como objeto, a empatia não funcionaria para prevenir uma agressão. Portanto, do ponto de vista da psicologia social, o importante é tratar a sociedade.
O artigo “O desenvolvimento da empatia como prevenção da agressividade na infância”, de Michelle Girade Pavarino, derivado de parte da Dissertação de Mestrado da mesma, faz uma análise da relação entre empatia e a agressividade à luz do referencial teórico do Treinamento das Habilidades Sociais. Neste artigo, Michelle Pavarino destaca que, dentre as várias classes de comportamento sociais, a empatia tem papel fundamental na construção de um desenvolvimento saudável e que devido à correlação inversa entre essas duas variáveis, estudos nacionais e internacionais consideram déficits nessa área como um dos fatores de risco para comportamentos ditos antissociais, especialmente os agressivos. Ela também considera de suma importância um maior investimento educacional em programas preventivos visando inibir os comportamentos agressivos e promover a empatia.
Pavarino relata em seu artigo que há concordância entre um número razoável de pesquisadores em conceituar agressão como um comportamento intencional de produzir dano às outras pessoas, e que agressão seria parte de um problema maior: o comportamento antissocial, que compreende o isolamento social, o rompimento de normas, o comportamento opositivo, a destrutividade e também a agressão aos outros.
 


 Estudos sobre o comportamento humano mostraram que muitos dos comportamentos agressivos podem comprometer o desenvolvimento socioemocional e de habilidades interpessoais na infância e na adolescência, além do mais, crianças expostas a períodos duradouros de violência tendem a se comportar agressivamente e dessa maneira, poderão repetir esse padrão ao ingressar na escola. Também foi verificado que há uma relação inversa entre comportamentos agressivos e empáticos. Em alguns destes experimentos, o procedimento consistia em observação direta de comportamento em situações estruturadas que estabeleciam demandas específicas para comportamentos empáticos e para autocontrole de agressividade. Embora o estudo tenha se limitado a faixa etária de 4 a 6 anos, correlações semelhantes se mantiveram na análise dos diferentes grupos etários. Estudos empíricos mostraram que indivíduos do sexo masculino apresentam maior índice de comportamentos agressivos, enquanto que os do sexo feminino manifestaram maior frequência de comportamentos empáticos.
Os déficits de empatia estão associados a um conjunto de outros aspectos cognitivos e afetivos como distorções perceptivas e problemas de regulação e autocontrole emocional, que favorecem o comportamento agressivo, propiciando um contexto inadequado para o processo de socialização e da educação, provavelmente resultante da insuficiente oportunidade de aprendizagem de habilidades interpessoais e valores de não violência bem como da habilidade de lidar com a própria agressividade.
 
Na visão de Inês Galvão, Henry Wallon olhando a emoção nas primeiras situações e reações do recém-nascido, percebe que a função das emoções é principalmente uma função social, pois possibilita a interação da criança com o meio social. Nesse sentido, o primeiro meio que interage com a criança não é o meio físico, mas o meio das pessoas – o meio humano – sobretudo com aquelas nas quais a criança depende. As emoções são o primeiro recurso social da criança, já que permitem ao recém nascido da espécie humana imergir no meio social. Assim, tendo por base os princípios estabelecidos por Henry Wallon, podemos afirmar que desde o nascimento, o indivíduo emite sinais emocionais e responde aos sinais que evolutivamente foram importantes para sua sobrevivência. São esses sinais que constituem fontes de informação social e promovem consequências motivacionais para as crianças, regulando as suas reações frente aos diversos aspectos do convívio social. Assim, o desenvolvimento social do indivíduo inicia-se no nascimento ou mesmo intra-útero.
Observamos que os primeiros olhares e os primeiros gritos e choros, seguidos de respostas das pessoas próximas, tornam-se as primeiras formas de comunicação do bebê. Se este se tranquiliza, fortalece-se o vínculo com a mãe ou pai, e cresce o interesse mútuo entre eles. Quando a mãe não registra os sinais do bebê, este perde a oportunidade de “saber” que é possível exercer influências sobre o mundo exterior e sobre seu estado interno por meio de uma comunicação emocional.
Crianças de dois a três meses dedicam importante atenção ao jogo cara-a- cara, realizado com a pessoa que lhe é próxima. Essas brincadeiras promovem uma sincronia afetiva entre a mãe e o bebê, por exemplo,  constituindo uma base para o desenvolvimento da empatia que, posteriormente, depende de outras experiências como, por exemplo, a de observar como os outros reagem quando alguém está aflito e imitar as reações do adulto.
Fato interessante é verificado que desde o nascimento, os bebês ficam perturbados quando ouvem outro bebê chorando, o que constituiria, segundo Hoffman (1982), o primeiro indicador da empatia que se desenvolve depois com o passar do tempo. Em outras palavras, eles estariam mostrando solidariedade diante da angústia de outrem, mesmo antes de adquirirem a percepção de sua individualidade.
Ao longo dos anos pré-escolares, os comportamentos pró-sociais tornam-se cada vez mais complexos e ganham sutileza,demonstrando uma crescente sensibilidade em relação aos desejos ou necessidades dos outros (Gionzalea e Padilla, 1995). Verificou-se (Hoffman, 2000) que muitas crianças, em idade pré-escolar, conseguem reconhecer sentimentos olhando para a figura de alguém com expressão facial de tristeza e, nessa fase do ciclo vital, começam a perceber que o mesmo evento pode causar emoções diferentes em pessoas diferentes e começam a levar em conta os desejos da outra pessoa ao julgar as emoções que ela sentirá em determinada situação.  
Agora, a escola também pode ajudar a desenvolver a empatia em seu corpo discente. Para Henry Wallon, a criança não é um resultado linear do meio no qual ela vive. Primeiro ele enfatiza a ideia que a criança vive em vários meios, meios muitas vezes conflitantes entre si. A construção da criança da criança vai se dar na relações com esses vários meios, e relação de escolha que vai definir a construção do sujeito. Quando se fala em vários meios, está se falando do meio da família, que é o primeiro contexto social na qual a criança interage,  meio escolar, e meios não tão concretos, como dos valores, que podem ser diversos, já que a criança pode ter acesso os valores da família, ou de uma comunidade, ou da escola.  Esse fundamento quebra uma ideia muito fortemente presente na escola, ideia de que a criança é o resultado linear do seu meio familiar. Essa ideia está presente, por exemplo, em falas frequentes no contexto escolar,   que atribuem à família a responsabilidade pelas condutas das crianças nas escolas, nos casos de crianças que apresentam problemas de comportamento ou aprendizagem. Nesse caso, é comum os professores, ou grupo gestor, afirmarem  que o problema de comportamento da criança, ou aprendizagem é devido a uma família desestruturada.
É evidentemente que o contexto familiar da criança interfere fortemente, e a criança se constitui muito fortemente em função de sua história de vida, de suas relações familiares. No entanto, a escola ao se constituir como um e outro contexto de desenvolvimento, ela pode muito bem criar outras relações com a criança diferentes das existentes na família. A criança, nas suas diferentes idades, logo aprende a agir diferente em função do contexto. Percebermos isso no próprio meio familiar, onde a criança age de modos diferentes quando se dirige ao pai, ou à mãe. Assim, a escola pode muito bem construir relações com as crianças que tenham haver com aquele contexto, e não só imaginar que a criança vai reproduzir na escola relações que ela tem na família. É claro que ela traz isso, mas a criança não se limita a isso. Faz parte dos potenciais do sujeito articular-se diferentemente aos vários contextos em a escola pode ser uma alternativa à educação familiar, e a criança sabe lidar com isso.
Desta forma, fica claro que ser mau ou bom, não é uma simples questão de livre-arbítrio, mas de relacionamento e orgânica. Talvez isto explique porque o diabo não tem salvação. Considerando a salvação desta criatura possível, então poderíamos questionar a salubridade psicológica e afetiva dos Céus.